José
Fortunato
Companhia de Cavalaria 2416
«QUERER E SABER QUERER»
Moçambique: 13Ago1968 a 04Set1970
José Fortunato, mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 7
(RC7 - Lisboa) serviu Portugal na Província Ultramarina de Moçambique
integrado na Companhia de Cavalaria 2416 «QUERER E SABER QUERER», no
período de 13 de Agosto de 1968 a 4 de Setembro de 1970.
in revista
"Domingo"
do jornal Correio da Manhã, de
29 de Setembro
de2019, e
apoio de um colaborador do
portal UTW
(Transcrição)
"ESTIVE SEMPRE CONSCIENTE E PENSEI QUE
IA MORRER"
Junto ao ribeiro, fui atingido por uma
bala que entrou pelo braço, passou pelo abdómen e saiu
pelas costas
«Assentei praça na Carregueira, quartel no concelho de
Sintra, onde fiz o juramento de bandeira. Depois fui transferido para o
Regimento de Cavalaria número 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa.
Aí fui incorporado numa companhia operacional, a CC
2416 [CCav2416] em abril de 1968. Iniciámos a instrução militar com
vista a embarcar para Moçambique, o que aconteceu a 23 de julho de 1968,
a bordo do navio 'Vera Cruz'.
Chegámos ao porto de Nacala no dia 14 de agosto de
1968. Depois seguimos de comboio para interior, em direção a Marrupa.
Foi uma longa viagem. Éramos dois mil militares e o comboio, movido a
carvão e com muitas carruagens, chegava a uma certa altura que não
conseguia levar aquele peso todo e começava a andar para trás, com a
força da gravidade. Desatrelaram algumas carruagens para que o comboio
conseguisse chegar até Nova Freixo e daí andámos mais 200 quilómetros
por picada até Marrupa. A nossa companhia ficou aquartelada num
agrupamento militar com várias companhias, cada uma com a sua missão. A
minha, sendo uma companhia operacional, tinha a missão de fazer
operações no mato contra os guerrilheiros da FRELIMO. Fazíamos 8 a 15
dias no mato, depois ficávamos um mês no quartel e a seguir saiamos para
uma nova missão.
A 30 de janeiro de 1969, quando estávamos no quartel,
dá-se o episódio mais marcante da minha passagem pelo Ultramar e até da
minha vida. Naquele dia calhou-me ir buscar água potável para o quartel,
com mais quatro soldados. Quando estávamos junto ao ribeiro a encher os
bidons fui atingido por um projétil que me apanhou braço direito e o
abdómen, saindo pelas costas. Fiquei logo como braço caído e vi que
tinha sido atingido noutros lados, mas fiquei sempre consciente. Pensei
que ia morrer.
No quartel, fui assistido primeiro pelos enfermeiros, para estancar as
hemorragias e as dores. Depois fui levado num táxi aéreo para o Hospital
de Vila Cabral. No hospital fui sujeito a uma intervenção cirúrgica para
limpar o trajeto por onde a bala passou. Felizmente, a bala passou
sempre ao lado: dos ossos do braço, do fígado, dos rins e também da
coluna. Levei 33 agrafos no abdómen e tenho hoje uma grande cicatriz. No
hospital cheguei a ouvir dizer que cheguei a estar com as tripas todas
de fora. Hoje, apenas o braço tem uma ligeira artrose. Estive cerca de
90 dias hospitalizado e depois fui dado como apto para regressar ás
operações.
Sujeitámo-nos a emboscadas e a certas sabotagens que o inimigo fazia.
Outro momento marcante foi com um amigo, quando fomos brutalmente
atacados numa operação. Andávamos no mato e ao fim do dia tínhamos de
pernoitar. Arranjámos um local estratégico, um ponto alto, mas eles
tinham andado atrás de nós todo o dia para ver onde íamos parar. Depois
de jantar, estava tudo descontraído quando, de repente, fomos atacados
por rajadas de metralhadora. Só víamos as chamas em direção a nós. Foram
20 ou 30 minutos de combate ensurdecedor. Só quando parou reparámos que
o Amaral tinha morrido. (nota)
Depois disso, nunca mais me senti em condições para continuar no serviço
operacional e pedi uma junta médica. Fui então para Lourenço Marques,
onde fazia reconhecimento em redor. Tínhamos de ter cuidado a sair à
noite, porque havia sempre situações complicadas, mas ali já era uma
situação mais controlável.
Em outubro de 1970 acabei a comissão e vim no paquete 'Infante Dom
Henrique' para Portugal. Cheguei a Alcântara a 12 de outubro de 1970.
Gostava de reencontrar camaradas, mas sobretudo os enfermeiros que me
assistiram, o médico que me operou e salvou. Naquelas condições, muito
rudimentares, fez um autêntico milagre.»
Nota da equipa do UTW:
|
- A ocorrência em destaque, nenhuma relação tem com o dia 30
de Janeiro de 1969 relatado pelo veterano deponente.
«O Amaral» - soldado atirador n/m
02049368 Sebastião Coelho
Trindade Amaral -, foi a única baixa mortal |
registada
na CCav2416/RC7, situação verificada durante a Operação
Galgos Empurrantes, em 19 de Outubro de 1968 no Rio Level. |
Sebastião Coelho Trindade Amaral
Sebastião Coelho Trindade Amaral, Soldado Atirador de
Cavalaria, n.º 02049368, natural da freguesia Torgal, concelho de
Castanheira de Pêra, filho de João António Trindade Amaral e de Laurinda
Rosa Coelho, solteiro.
Está inumado no
cemitério de Castanheira de Pêra
Foi precisamente junto à água que o
soldado foi atingido
Um helicóptero dá apoio às tropas
O avião do correio e mantimentos
José Fortunato de vigia em
Moçambique
O soldado fez várias operações no
mato