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Outra História - 1964-1974, a década do Comandante Francisco Daniel Roxo

 

Outra História

 

(1964-74, a década do comandante Roxo)

 

de Abreu dos Santos

 

1964 – Março.6 (6afeira) 

Em Lourenço Marques, o major pára-quedista Rafael Ferreira Durão toma posse como comandante do BCP31, unidade de elite da FAP que vai ser deslocada para o norte a fim de efectuar patrulhas durante nove meses junto à fronteira fluvial do Rovuma e na margem oriental do lago Niassa.

Comandante Francisco Daniel Roxo

(Moçambique)

1.º Sargento Francisco Daniel Roxo

(África do Sul)

Simultaneamente no nordeste de Moçambique, a administração civil reage às tentativas de infiltração dos grupos terroristas e – tendo em vista proteger e controlar os autóctones em áreas afectadas pela propaganda guerrilheira da FRELIMO, e subsidiariamente promover a elevação socio-económica dos indígenas –, em colaboração com o comando da RMM inicia a construção sistemática de aldeamentos estratégicos, reunindo a população dispersa em núcleos delimitados com o objectivo imediato de promover protecção e autodefesa, tendo em vista a sua integração e desenvolvimento económico.

– «Se bem que o programa de “aldeamentos” tenha sido adequadamente bem sucedido no interromper da intimidação dos guerrilheiros à população, pode-se argumentar fortemente que a escolha de tal rumo é sempre uma decisão política difícil e arriscada em qualquer estratégia de contra-insurreição. Globalmente, as operações sociais de Portugal provocaram uma evidente elevação dos níveis de vida das populações indígenas nos três teatros-de-guerra. Este aspecto contribuiu eficazmente para manter o conflito controlado através do esforço substantivo de se conseguir a lealdade da população e de neutralizar os rebeldes. [...] Em Moçambique, os primeiros aldeamentos foram construídos [no planalto maconde desde o 1º trimestre de 64 e no distrito do Niassa] em 1966. [...] No norte de Moçambique a população foi realojada em aldeamentos, muitas vezes à força. Visto que esta operação impunha sofrimento às pessoas e era particularmente perturbante para os nómadas, criou um grau de animosidade que por vezes conduziu a uma relutância relativamente à concessão de armas a uma população recolonizada. [...] Estas armas iam quase sempre para os chefes de confiança das aldeias, pois mais de 82 tinham sido assassinados [pela FRELIMO] e os restantes viviam com medo do mesmo destino. [...] Em Moçambique, tal como em qualquer outro local, os recursos limitados de Portugal eram constantemente postos à prova na resolução da vastidão da tarefa de realojar a população de forma adequada, a fim de a preservar da FRELIMO e de lhe proporcionar os benefícios prometidos. Era sempre difícil o equilíbrio entre a má vontade provocada pela ruptura e os benefícios concedidos na execução do programa de aldeamento. [...] As acusações [posteriormente fomentadas pela FRELIMO junto da OUA e ecoadas na retaguarda portuguesa pelas “oposições” internas e “costagomistas” a partir de 15Jul69] de que o programa de aldeamento não teve êxito, não têm em conta o seu primeiro impulso. O reagrupamento era muito inconveniente para os terroristas, porque os separava da população. Fizeram-se todos os esforços para preservar os padrões de vida locais, e a construção de cabanas e outros hábitos da população eram alterados o mínimo possível. Casos como roubos, violações e outros abusos não eram maiores ou menores nos aldeamentos do que em qualquer outro local. [...] O plano de aldeamento tinha como objectivo negar o acesso dos rebeldes à população e à sua estrutura de apoio, e também convencer as pessoas de que o seu futuro era com Portugal e não com uma causa perdida. De acordo com esta definição, o sistema com todas as suas falhas continha um certo grau de êxito. É difícil identificar um programa de reagrupamento ideal e semelhante com que se possam comparar os esforços de Portugal. Os vários realojamentos da população e o seu grau de êxito noutras contra insurreições [casos da Malásia em 48-57 com deslocamento de 423 mil clandestinos chineses realojados em 400 aldeamentos, da Indochina em 51-52 com reagrupamento dos cambodjanos khmer, da Argélia em 55-59 com o “Plano Challe” para aldeamentos muçulmanos de autodefesa, e do Vietnam do Sul em 62-63 retomado por William Colby em 67-70 tentando mudar 9 milhões de pessoas para 7500 aldeias estratégicas], dependiam sempre do carácter do inimigo e dos alimentos disponíveis para a população.

Nenhum grupo queria ser “reagrupado” numa aldeia planeada, sendo essa acção sempre controversa. [...] Estas condições não se repetiam na África portuguesa. A sua população, embora não homogénea, não estava clivada de forma precisa. [...] Além disso, a África portuguesa tinha uma agricultura de subsistência, com excedentes em algumas áreas dependendo da ruptura causada pela guerra e dos caprichos do clima. Esta situação apresentava igualmente problemas quase inultrapassáveis para um rebelde a actuar numa área, em que a alimentação disponível era a que era cultivada. A água era também pouca em zonas como no longínquo leste de Angola. Os casos são assim muito diferentes, tanto no espaço como na natureza. [...] A população beneficiava supostamente dos programas sociais associados e era amplamente protegida da intimidação dos guerrilheiros. O programa perturbava ou parava frequentemente os avanços dos rebeldes. [...] A longo prazo, o realojamento apenas permitiu aos portugueses ganhar tempo e não podia necessariamente destruir o inimigo. Este interlúdio foi valioso e poderia ter sido utilizado para construir a participação política local necessária para uma autonomia que teria contradito totalmente aos argumentos dos nacionalistas.»¹

– «Quando o terrorismo eclodiu na Província, era comandante-chefe [i.e, comandante da RMM] o general Carrasco que tinha uma concepção muito especial acerca do modo como a guerra devia ser conduzida. Em vez de organizar um sistema permanente de ocupação do terreno que dificultasse a acção dos terroristas, completada por operações para a sua perseguição e destruição, deixava a iniciativa àqueles e limitava-se [!?] a reagir às suas acções Depois de uma visita de inspecção do general Deslandes [!?] à província, a situação modificou-se e, nas zonas de subversão violenta, organizou-se a quadrícula como em Angola, completando-se esta medida com a organização de um sistema de aldeias fortificadas [!?] ou protegidas militarmente, que envolvia o planalto dos Macondes onde se concentravam populações macuas tradicionalmente inimigas daquela tribo. O plano dos generais [indigitado governador-geral e CCFAM] Costa e Almeida e [segundo-comandante da RMM brigadeiro] António [Augusto] dos Santos que, com a ajuda do governador do distrito de Cabo Delgado coronel [de infantaria] Basílio [Pina de Oliveira] Seguro, puseram em execução este sistema: era o de, aproveitando a barreira constituída pelos aldeamentos cuja defesa imediata era assegurada pelos próprios habitantes organizados em milícias, lançar da periferia para o centro uma série de operações para impedir a expansão do inimigo ao sul do rio Messalo (limite inferior do planalto). [...] No Niassa, o plano era o de ir agrupando as populações em aldeias, sem recorrer ao constrangimento mas actuando por via psicológica, fazendo-lhes ver as vantagens que daí resultariam, quer no que respeitava à sua protecção contra os terroristas, quer no concernente à melhoria das suas condições de vida, por a concentração das populações permitir que a política de promoção social fosse mais facilmente conduzida. Quanto a Tete, a construção da barragem não começara ainda (nem sequer estava decidida). [...] As ideias dominantes eram: que se deveria impedir que o inimigo pudesse utilizar a importante linha de infiltração constituída pelo rio Capoche; e que, a todo o custo, se tinha de garantir que não transporia o Zambeze para o sul. A defesa devia pois começar a norte do rio: aí se teriam de concentrar os seus principais meios.»²

– «Em 1962-64 Moçambique estava calmo. Para recolher informações adaptou-se dos ingleses um sistema: três brigadas de caça com soldados à paisana, jipes com matrículas falsas, bilhetes de identidade falsos, tudo falso. Uma em Cabo Delgado e duas no Niassa, junto à fronteira do Rovuma. Caçavam e tinham vida autónoma, vendiam carne para a Zambézia e para os trabalhadores indígenas. Um deles, filho de um ex-sargento de Vila Cabral, era ali comerciante e chamava-se Orlando [Barros de Sousa] Cristina³ [i.e, Francisco Daniel Roxo]4, que falava quase todas as línguas nativas desde o macúa, o ajaua, o swahili. Era casado com as filhas de régulos da região do Niassa (onde deixou muitos filhos), e fazia pactos de sangue com os régulos. Exímio caçador e chefe de uma brigada de caça do Niassa, sendo o outro grupo chefiado por [Manuel] Gomes dos Santos [ex-tenente miliciano].

O da brigada de Cabo Delgado [estava fora da alçada do governador do Niassa], era um passado dos carretos e chamava-se Pinhaveli. Todos tinham acampamentos, recebiam turistas americanos, negociavam marfim e recebiam dinheiro, sendo autónomos a nível financeiro. Por ali andaram durante 3 anos e serviram de tampão a infiltrações. Mais tarde o [comandante da RMM] general [João Caeiro] Carrasco não quis nada com tais negócios e acabou com as brigadas de caça, uns 20 ou 30 homens em grupo, que caçavam e andavam lá com as mulheres, sabendo de tudo o que se passava.»5

– «Chefe de equipas de caça a sul do rio Rovuma o tenente miliciano Orlando Cristina que, depois de licenciado, tomou parte activa em operações de contra-subversão ao lado de Jorge Jardim. [...] O chefe da PIDE em Lourenço Marques era António Vaz. Num ‘briefing’ [no princípio de Mai64] disseram que “o inimigo que vem da Tanzânia tinha dois pelotões e o que vinha da Zâmbia tinha um pelotão”. [...] Era governador do distrito de Cabo Delgado o coronel de infantaria Basílio [Pina de Oliveira] Seguro, com sede em Porto Amélia. [...] Mueda foi em Setembro de 1964, mas antes já tinha havido escaramuças. O primeiro comandante depois de começar a sublevação em Moçambique, foi o general João Caeiro Carrasco. As zonas mais afectadas eram Mueda e parte do Niassa. [...] O tenente-coronel [Henrique de] Oliveira Rodrigues fez parte do gabinete [militar do indigitado governador-geral e CCFAM general José Augusto da Costa e Almeida], que criou o Corpo de Milícias para defesa próxima dos aldeamentos, dependente dos governos de distrito e constituído geralmente por nativos. Publicaram-se folhetos de contra-subversão com base na obra “Defeating Communist Insurgency” do escritor militar inglês Sir Robert Thompson. [...] O coronel Basílio Seguro foi o principal impulsionador [dos aldeamentos]. Fizeram-se muitos em Cabo Delgado, e no Niassa [a partir do início de 66] com o (hoje) general [tenente-coronel de infantaria Nuno Viriato Tavares de] Melo Egídio [que em Vila Cabral irá substituir o coronel Costa Matos]. Em Tete é que o coronel Cecílio Gonçalves [governador distrital a partir de 04Set65] não gostava tanto dos aldeamentos, mas aí também havia bastantes. Nessa altura fizémos uma espécie de milícias com a finalidade exclusiva de os defender. [...] O coronel Basílio Seguro impulsionou [no distrito de Cabo Delgado], ainda no tempo do general Carrasco, a criação de aldeamentos estratégicos, onde as populações concentradas estavam sob protecção. [...] Dizia-se que os aldeamentos se faziam para que as populações não colaborassem com a FRELIMO. Era um pouco isso, mas os aldeamentos tinham uma dupla finalidade. Nós não podíamos proteger as populações com três casas aqui, quatro casas acolá, etc. Então concentraram-se as populações em aldeamentos e criaram-se milícias armadas, às quais nós fornecíamos as armas. Eu nunca deixei que essas milícias ficassem sob comando militar. Os governadores [distritais] tinham também que colaborar nessa acção. Mas não foi nenhum comando militar que fez os aldeamentos, foram os governadores.»6

1(Cann, op.cit pp.221,210,218,211-214,215);

2Silva Cunha, op.cit pp.343/4);

3(nascido em Lagos, com família há largos anos radicada em Vila Cabral; estudou na Faculdade de Direito de Lisboa mas desistiu e regressou ao norte de Moçambique, onde foi caçador profissional até assentar praça em Boane; com o posto de alferes miliciano a partir de 60 serviu no BCac de Vila Cabral até que, com apoio do ex-tenente miliciano seu conterrâneo António Fernandes Vaz, inspector e director provincial da PIDE, em finais de 62 “desertou” e infiltrou-se na FRELIMO, mantendo-se em Dar-es-Salaam com envio regular de informações para a PIDE de Lourenço Marques; recentemente a sua infiltração foi desmontada pela FRELIMO mas conseguiu fugir para a fronteira noroeste de Moçambique);

4 (nascido em 01Fev33 em Mogadouro; desde 1951 radicado em Vila Cabral);

5 (tenente-coronel Costa Matos, em 62-66 governador distrital do Niassa; em 15Set94 a Antunes);

6 (brigadeiro Augusto dos Santos, 2oCmdt-RMM, em 15Ago94 idem)

 

[...]

 

1972 – Setembro.30

O grande empreendimento de Cabora Bassa recebe o ministro do Ultramar, que no final da visita faz o ponto de situação com discurso, do qual se extraem os seguintes trechos:

– «Será oportuno recordar que o calendário da construção da barragem se tem cumprido com notável regularidade. [...] Em princípios deste mês iniciaram-se as betonagens do corpo da barragem. A caverna da central nas suas dimensões majestosas, a sala dos transformadores, os acessos do túnel e a galeria de fuga, estão em construção adiantada. Proseguem os trabalhos de instalação da linha de transporte de energia que, em território nacional, atinge perto de 840km dos quais está colocado cerca de 1/3. O Songo, há bem pouco tempo ainda um lugar desértico e inóspito, é hoje uma florescente povoação com quase 12 mil habitantes. [...] Está completamente asfaltada a nova estrada que liga Tete ao Songo bem como o troço que a continua, assegurando a ligação até ao terminal do caminho-de-ferro do Moatize. Está concluída a estrada de Tete à Beira numa extensão de 600km. Trabalha-se activamente nas que ligarão Changara à fronteira da Rodésia e Moatize à fronteira do Malawi, e na que assegurará ligações entre Tete e Vila Coutinho. Construíram-se infra-estruturas para ligações aéreas e melhoraram-se as já existentes. Activa-se a promoção social das populações da zona a inundar pela albufeira e estão preparadas as novas povoações em que se terão de instalar.»

Em Moçambique os efectivos militares são perto de 50 mil e, segundo alguns analistas da oposição, «desde que chegou a Moçambique o general Kaulza de Arriaga aplica métodos usados pelos americanos no Vietnam, criando aldeamentos – aos quais os autóctones chamam “Curva de Cabras” – fortificados e controlados para isolar a população da guerrilha, e promove a africanização com a integração de negros nas forças militares»; e, ainda sob outra perspectiva, a cerca de 30km sul da cidade e «por ordem do [comandante interino da 6aCCmds-MOC] alferes António Melo, as aldeias de Wiriyamu, Chawola e Juwau receberam acção psicológica para abandonar a zona, mas resistiram às pressões».

– «Em Novembro [!?] de 1972, durante uma visita que fiz à Província, promovi uma reunião em Tete em que participaram o governador-geral (eng. Pimentel dos Santos), o comandante-chefe [general Kaulza de Arriaga], o governador do distrito [e comandante da ZOT] coronel [pára-quedista Armindo Martins] Videira, o director da delegação da DGS [em Lourenço  Marques] inspector-chefe António Fernandes Vaz] e os inspectores do mesmo serviço responsáveis pelas áreas da Beira e de Tete [inspector Joaquim Piçarra Sabino]. Manifestei a minha preocupação pelo que se estava a passar. [...] Sugeri que se adoptassem medidas semelhantes às usadas em Angola, criando-se um corpo de irregulares idêntico aos “Flechas” para actuar nos intervalos [!?] da quadrícula e fazendo a guerra com métodos idênticos [!?] aos dos terroristas. O comandante-chefe opôs-se, argumentando com a existência dos Grupos Especiais (GE) que eram uma excelente tropa, de grande valor combativo. Respondi-lhe que a sua organização, idêntica à das unidades regulares, com um regime de vida semelhante [!?], com o mesmo [!?] tipo de disciplina, com o enquadramento por oficiais do Exército regular, os tornava unidades demasiado pesadas [!?], que não podiam fazer a guerra no mato como os guerrilheiros. Insisti com o governador-geral para que organizasse unidades de “Flechas”, assegurando-lhe que os meios necessários para o efeito lhe seriam concedidos: O director [provincial] da DGS não se opôs, mas também não revelou demasiado entusiasmo pela medida. Só o governador-geral me apoiou francamente. [...] O que eu pretendia era a criação de uma força combatente que, como os guerrilheiros, fosse capaz de viver sobre o terreno, que suportasse a dura vida do mato, que se deslocasse a pé, que em matéria de equipamento necessitasse apenas das armas e munições, que fosse capaz de detectar um grupo de guerrilheiros e lhe seguir a pista até estabelecer o contacto e o destruir, que pudesse aproximar-se sem ruído, de dia ou de noite, dos acampamentos do inimigo, que soubesse montar emboscadas como as que os guerrilheiros faziam às nossas tropas. O que pretendia, afinal, era criar um corpo de irregulares que soubesse combater como combatiam, com tanto êxito, as milícias do célebre Daniel Roxo no Niassa.»¹

¹ (Silva Cunha, op.cit pp.347-348)

 

[...]

 

1973 – Setembro.4

Em Lisboa o ministro das Corporações e Previdência dr.Baltazar Rebelo de Sousa, antigo governador-geral de Moçambique, entrega ao seu compadre PM Caetano mais uma cartinha particular onde lhe dá conta de certas diligências do bispo de Tete e da partida daquele manhã para Roma, retomando por outro lado e a pretexto de «prioridades na promoção socio-política» dos moçambicanos negros, intrigas sobre um velho desaguisado entre o general Kaulza de Arriaga e o eng. Jorge Jardim.

– «O resto do mês de Agosto e os primeiros dias de Setembro esvaíram-se rapidamente, mas as sondagens que realizei nos sectores mais evoluídos demonstravam a aceitação muito generalizada de esquema próximo das bases que o dr.Kaunda me havia proposto.

[...] Pelo que respeitava às Forças Armadas, as sondagens que tínhamos efectuado davam-nos a certeza de contarmos com a simpatia dos corpos de elite das unidades metropolitanas (pára-quedistas, comandos e em certa medida fuzileiros, além de considerável número de pilotos militares), sendo dubitativa a atitude dos escalões superiores. As unidades moçambicanas, designadamente GE e GEP, não havia dúvida de que nos acompanhariam e o seu potencial era acrescido pelas milícias e populações em autodefesa, armadas e disseminadas por todo o território. À nossa influência escaparam os Flechas [!?], corpos militarizados da DGS, e milícias distritais [do Niassa] que dependiam do famoso comandante [transmontano radicado em Vila Cabral, Francisco Daniel] Roxo. Em contrapartida, dispunhamos de sólidos contactos com os ‘comandos’ formados em Montepuez, na sua quase totalidade de recrutamento moçambicano, que constituiam verdadeira formação de elite dotada de alto grau de eficiência militar. Não seria, pois, pelo lado das tropas que o “Programa” correria risco de difícil concretização. O major Arnaut Pombeiro, que havia sido o estruturador dos ‘SEI’, também foi por mim informado e apoiou-me com decisão. [...] Nos ‘SEI’ tinha-se processado a substituição do major Arnaut Pombeiro¹ pelo major [CEM de engenharia, António José] Águas [Rodrigues] Varela,² casado com uma senhora macaísta formada em química. Tinha-me sido recomendado pelo seu antecessor.

Logo no início do seu trabalho, o major Varela viu-se envolvido nas delicadas investigações sobre o “caso Bwanasani”, mais um incidente fronteiriço. Nele deu excelente conta de si, estreitando a colaboração com o administrador Silva Marques (o nosso homem de Blantyre), experimentado conhecedor das populações fronteiriças. Demos-lhe como reforço o Silvério, um furriel para o serviço de cifra. O equipamento de radio-comunicações, os meios de transporte em todo-o-terreno e a dotação de pessoal dos ‘SEI’ iam-se concretizando gradualmente. Acabámos por dispôr de um centro operacional de comando, capaz de assumir as responsabilidades para que eu o destinava. Quando necessário, tínhamos contacto com a Zâmbia para quem trabalhávamos oficiosamente, cuidando dos problemas de transportes. Paralelamente, o consulado do Malawi na Beira tinha na sua dependência o vice-consulado em Nacala, confiado ao moçambicano dr.Waya que obtivera a sua “licenciatura” na cortina-de-ferro; estava previsto abrir-se outro vice-consulado em Lourenço Marques e já havíamos montado uma instalação dispondo de aparelhagem e centro de documentação actualizado. A estrutura consular assegurava-me a ligação com o governo do dr.Banda e possuia um elenco de pessoal treinado, em que se destacava [minha mulher] Maria Teresa; pertencia-lhe o contacto com a embaixada do Malawi em Lisboa. À frente deste organização estava o dr.Silva e Costa. Dispunhamos de uma rede de informações orientada pelo Orlando Cristina, que havia servido no Malawi cumprindo missões delicadas e conhecia no detalhe as regiões e tribos do centro e norte de Moçambique, cujas línguas dominava. Era o “comissário político” mais completo que conheci. Por outro lado, eu controlava importante sector da imprensa (Notícias da Beira, Voz Africana, Economia de Moçambique) que, a par da emissora do Aeroclube da Beira, tinha considerável impacto em amplos sectores da opinião pública. Uma das minhas preocupações traduzia-se em dar conteúdo doutrinário ao grupo editorial, sem sacrificar a objectividade informativa e a liberdade de expressão dos colaboradores. Só o semanário ‘Tempo’ editado em Lourenço Marques (e no qual viria a também a tomar posição), e ‘A Voz de Moçambique’ da Associação dos Naturais de Moçambique, tinham receptividade no público semelhante à nossa. [...] Os programas de propaganda radiofónica, da iniciativa de João Maria Tudella (moçambicano e um dos meus mais próximos colaboradores), conduzidos por Pedro Moutinho insistiam semanalmente em revelar o potencial da terra a que servíamos.

Nenhum meio de intervenção, junto do público, era por nós abandonado. Para estruturar tudo isto, ainda em 1973 constituí a AGIM (Agência Informativa de Moçambique), que representava em Portugal o nosso grupo de jornais e foi responsável pelas campanhas publicitárias. No momento oportuno, teria a missão de transmitir o conveniente serviço informativo aos jornais portugueses e à imprensa estrangeira representada em Lisboa, como veículo da propaganda moçambicana. Na fachada da nossa representação, que estava equipada com todo o apetrechamento necessário, apenas uma palavra dominava o imponente anúncio luminoso: MOÇAMBIQUE. Ninguém entendia, contudo, porque queria eu dois mastros iguais, quando havia uma só bandeira para içar. Completava-se, com a AGIM, o esquema estruturado para apoiar os planos que se iam corporizando. Dispunhamos, assim, de estruturas para apoiar o “Programa” junto da opinião pública.»³

¹ (regressa a Lisboa, em Nov73 colocado no gabinete do MDN Silva Cunha);

² (ex-cmdt 1oPelSap123 em Angola, CG.3ªcl 08Jan63 por acções em combate);

³ (Jardim, op.cit pp.119,142/3,150/139-141/151)

 

[...]

 

1973 – Dezembro.11

No noroeste de Moçambique, o ministro do Ultramar visita Tete e a barragem de Cabora Bassa.

– «1973.12.11 - O Comando Operacional da Defesa de Cabora Bassa (CODCB) assume [em Tete] a responsabilidade da protecção da zona da barragem.»1

– «A realidade pode ser avaliada pela história que se conta do ministro do Ultramar dr.Rebelo de Sousa em visita a Moçambique, ter encontrado os altos comandos militares no fim de 1973 profundamente preocupados com a instalação de duas metralhadoras antiaéreas pelos rebeldes numa serra qualquer do norte, e pensando até em bombardear a região com napalm, o que aconteceria pela primeira vez. Perguntando o ministro porque não era enviado lá um destacamento para tomar as metralhadoras, foi informado das dificuldades que haveria, o que não o convenceu. Passados poucos dias as armas e os rebeldes foram aprisionados pelo pequeno grupo de milícias [do Niassa] do civil [transmontano Francisco Daniel] Roxo sem precisarem de apoio dos militares.»2

– «Visitei Moçambique em Dezembro de 1973. Num ‘briefing’ em Nampula, os comandos fizeram uma demonstração em tom dramático – era o começo da psicose da “guerra perdida” que vinha do tempo do Spínola e da Guiné. Penso que o Spínola perdeu a guerra, realmente, quando invadiu os territórios vizinhos e concluiu depois que a guerra não se podia ganhar militarmente.

Houve dois lugares em que as pessoas se convençeram [i.e, foram convencidas] que iam perder a guerra: na Guiné e em Moçambique, aquela gente viveu toda uma psicose que se traduziu num movimento, avolumado por várias causas incluindo as corporativas.»3

– «A criação do GUMO [Grupo Unido de Moçambique] fôra aprovada [em Lisboa sob proposta do antigo governador-geral de Moçambique e novo ministro do Ultramar] com alguns receios por Marcelo Caetano, nos fins de 1973, depois de se ter reunido com o seu presidente Máximo Dias. O grupo tinha uma direcção multirracial de que se destacavam Joana Simeão, uma professora primária macúa, e [o seu mentor] um comerciante branco [de Nampula], Jorge Abreu. Apesar do consentimento de Lisboa para a sua constituição, o GUMO teve alguns problemas com o governador-geral direitista Pimentel dos Santos.»4

– «A linha ortodoxa do regime preparava-se assim, para boicotar uma ténua tentativa marcelista de avançar com a autonomia política prevista na Constituição, através de uma ex-dirigente da COREMO, Joana Simeão.»5

– «O COREMO nunca participou em nenhumas discussões com [o eng.Jorge Pereira] Jardim. Quem teve a oportunidade disso foi a FRELIMO. Já há 2 ou 3 anos que a FRELIMO tem discussões com Jardim. [...] Resta ao povo moçambicano saber quem é amigo de Jardim. Não é o COREMO, são os países vizinhos incluindo a FRELIMO.»6

– «O ministro [do Ultramar] visitou Quelimane, capital [distrital] da Zambézia, antes de se deslocar à Beira onde terminaria a volta por terras moçambicanas. Rebelo de Sousa escreveu carta dirigida ao dr.Banda, que entreguei 2 dias depois, deslocando-me a Zomba onde conversámos sobre assuntos que prendiam o nosso interesse. No dia 13 de Dezembro fez-me chegar uma carta de resposta [ao ministro português]. Em tom de intimidade, referia-se a contactos familiares [02-15Nov69], envolvendo a Maria das Neves e o Pedro, filho mais novo do casal [Rebelo de Sousa]7

– «Joana Simeão, de Moçambique a Paris, Roma, Londres e Estocolmo.»8

– «É o seguinte o programa do GUMO, partido político de Moçambqiue: 1- Obtenção de uma autonomia política progressiba, adentro das instituições políticas vigentes no espaço português atendendo às novas estruturas; 2- Essa autonomia progressiva deverá ser obtida pela participação de todos os moçambicanos sem qualquer excepção, através de meios legais e diálogo permanente com os responsáveis; 3- Por conseguinte, o GUMO apresentará candidatos para as próximas eleições; 4- GUMO reconhece que este programa só poderá ser cumprido num clima de serenidade e disciplina; 5- GUMO reafirma os seus princípios: multirracialismo, diálogo, respeito dos parâmetros legais legitimamente estabelecidos; 6- GUMO pretende servir os interesses de uma comunidade luso-moçambicana pela defesa e fortalecimento de laços históricos, culturais e económicos; 7- GUMO9 propõe-se lutar pela participação activa da comunidade negro-mestiça na estrutura económica moçambicana. Comissão central: Máximo Dias, presidente; Joana Simeão, vice-presidente; Cassamo Daúde, responsável da classe operária; Jorge de Abreu, actividades económicas; Nuromahemed Issufo Saly, secretário da delegação da Beira; Cassiano Rataji, delegado de Inhambane; Lisete Xavier, delegada de Nampula.»10

1(Afonso e Gomes, op.cit pp.600);

2 (Ferreira, op.cit pp.394);

3 (Baltasar Rebelo de Sousa, em 17Ago94 a Antunes);

4 (MacQueen, op.cit pp.172);

5 (Bernardo, "Marcelo" pp.176);

6 (Paulo José Gumane, conferência de imprensa do PCNM; Beira 24Ago74);

7 (Jardim, op.cit pp.154-156);

8 (tírulo Expresso 19Jan74);

9 (pós-28Mai74 em Nampula, rebaptizado FRECOMO – Frente Comum de Moçambique);

10 (cf Diário de Notícias, Lisboa 30Abr74)

 

 

 

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