MOÇAMBIQUE
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sites próprios


João Paulo Ramos,
ex- Furriel
Mil.º AP de Infantaria
2.ª Companhia de Batalhão de
Caçadores 4810/72
Cantina Oliveira -
Tete
-
Moçambique
Novembro de
1972 a Outubro de
1974
.jpg)
Breve história da 2.ª
CCaç/BCaç 4810/72
Por mim entra-se
na cidade dolente,
por mim entra-se
na dor infinita,
por mim entra-se
na estância da gente perdida.
Lúcifer
Alguém, sabiamente,
plasmou numa tabuleta à entrada do quartel, letras
brancas sobre fundo vermelho, as palavras do Canto III
da Divina Comédia - a Porta do Inferno - e todos nós,
mesmo os que não entendiam o significado daquelas
palavras, intuíamos que não auguravam nada de bom.
Sentíamos um arrepio ao ler aquela descrição/ premonição
sobre a passagem por aquele Portal do Inferno. Era a
entrada numa dimensão desconhecida, no reino da
incerteza e da dor.
Por decoro e piedade
não foi transcrito o verso final, absoluto, definitivo:
“DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS!”
Cantina Oliveira,
também conhecida por Cantina de Oliveira, ou Cantina do
Oliveira, tinha aproximadamente as dimensões de um campo
de futebol. Um rectângulo de uns 120 por 70 metros. Era
cercada a toda a volta por uma paliçada feita em troncos
de madeira com 1,70 m de altura por 1 m de espessura.
Não fosse esta paliçada ter menor altura e poder-se-ia
dizer que estávamos dentro dum forte daqueles que ainda
hoje podemos ver nos filmes de índios e cowboys! O
quartel, ligeiramente elevado, situava-se no centro de
um planalto com vários kilómetros de diâmetro. Esta
localização permitia ter uma boa visão em toda a volta e
salvaguardava o seu interior de ser atingido por tiro
tenso (metralha, RPG's e canhões sem recuo). Era apenas
permeável ao tiro curvo (morteiro 82 e foguetes 122 mm).
O aquartelamento terá
sido edificado sobra as ruínas de uma cantina cujo
proprietário, de nome Oliveira, se finou às mãos da
Frelimo.
Ao longo do lado
norte ficava a picada que, vinda do Bene, passava
sucessivamente pelos rios Luía e Capoche. Com Cangombe
pelo meio, chegava a Cantina Oliveira oitenta e tal km
depois. Daqui seguia para o Fingoé. Para nossa sorte o
troço entre o rio Capoche e Cantina Oliveira já estava
desactivado mesmo antes da chegada da nossa companhia. A
ponte sobre aquele rio tinha sido destruída. Este
itinerário só foi reaberto em 1975. Constou naqueles
tempos que estava de tal maneira sobre-minado, que fez,
ainda, largos estragos entre os militares e civis que o
foram reabrir.
Contígua ao quartel
ficava a pista de aviação, paralela à picada para Vila
Vasco da Gama, local onde estava destacado um grupo de
combate da companhia. Esta picada para o destacamento
estava interrompida na passagem do rio Mucumbuzi, pelo
que também se encontrava desactivada na sua totalidade.
Aquando da recepção
das instalações do quartel das mãos da companhia ali
sedeada até então (CCaç 3356) foi constatada a
necessidade de melhorar as condições de alojamento dos
militares a nível da comodidade e da segurança. Uma das
grandes preocupações do comandante da companhia, capitão
miliciano Lobo Pimentel, foi, em geral, reforçar as
instalações do quartel em termos de segurança passiva e
activa, pelo que todo aquele dispositivo foi
reformulado.
Assim, circundando a
paliçada passaram a estar duas redes de arame farpado.
Estes aramados eram duplos, situando-se o interior a uma
distância de uns 30 m e o exterior a aproximadamente 50
m. Num raio de 150 metros toda a zona estava capinada.
Em cada canto do
rectângulo que constituía o quartel, bem como ao meio
dos lados maiores, existiam abrigos para sentinelas,
estando dois deles, nordeste e sudoeste, a funcionar
permanentemente para esse efeito. Cada um dos seis
postos de sentinela estava dotado de uma metralhadora de
fita, HK-21 ou MG-42. Foi requisitado mais um morteiro
81, ficando a defesa à distância a ser feita por dois
morteiros 81 e um 60 mm.
Dois dos abrigos,
situados em locais diametralmente opostos, eram torreões
que foram construídos em cimento armado com uma
espessura de 50 cm.
Ainda hoje, à
distância de 37 anos, penso que transformámos aquele
aquartelamento em algo de verdadeiramente inexpugnável.
Só com meios aéreos seria possível desalojar as nossas
tropas do local. Foram construídos novos e mais
funcionais abrigos, pelo que a partir de meados de
1973, toda a guarnição dormia em abrigos com um mínimo
de comodidade, muito seguros e particularmente aptos
para a defesa próxima.
Provavelmente
sabedora das condições de defesa e de inexpugnabilidade
do aquartelamento, a Frelimo referia-se a este local
como sendo o Forte de Cantina Oliveira. Valeria a pena
flagelar o aquartelamento só para manter alguma pressão
psicológica? Na realidade não valeria o esforço e o
dispêndio de munições ligeiras e pesadas! Muitas outras
unidades e aldeamentos tinham bem piores condições de
defesa, pelo que, do ponto de vista do atacante, o
esforço de um ataque aos locais onde outras unidades
estavam instaladas seria certamente mais rentável.
Durante a comissão de 23 meses no local, 19 dos quais
ainda durante o período de guerra e, ao invés do que
aconteceu durante o período anterior à nossa chegada ao
local, período esse em que o quartel foi várias vezes
severamente flagelado, nunca aquelas instalações foram
alvo de qualquer ataque.
Não é despiciendo o
facto de a Frelimo, cuja actuação no distrito de Tete
começou no primeiro terço de 1968, ter deslocado o seu
esforço de guerra em direcção ao Sul, particularmente a
partir de finais de 1972. O seu grande objectivo era a
barragem de Cabora Bassa e a sua própria progressão para
Sul. Esta opção estratégica e táctica poupou-nos
enormes dissabores.
Em combate apenas
acrescentámos uma baixa mortal (e poucos feridos
ligeiros) às muitas que os camaradas das valorosas
companhias que nos antecederam, CArt 2452, CCav 2653 e
CCaç 3356, tiveram por aquelas bandas.
Não se confirmaram em relação à nossa companhia os
prognósticos anunciados no pequeno placard colocado à
entrada do quartel. Não foi nada bom, mas também não foi
o inferno anunciado e pelo qual outros passaram naquele
e noutros locais. Fruto do acaso, da conjuntura e do
comando inteligente, equilibrado e eficiente da
companhia, chegámos ao final da comissão com um número
reduzido de baixas, se comparado com o que se observou
nas unidades militares que por ali estacionaram e pelas
situadas ao nosso redor.
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